1. Introdução
A Alta Idade Média é o período inicial da Idade
Média. Começa no século V e termina no século XI. Caracteriza-se
pela formação do sistema feudal - feudalismo (do século V ao IX) e por sua
cristalização (do século IX ao XI), isto é, quando o feudalismo esteve
plenamente estruturado. Após o século XI, o sistema feudal entrou em crise e
foi substituído pelo sistema capitalista, num processo muito lento que só se
completaria no século XVIII.
2. Origens do sistema feudal
O feudalismo é um sistema caracterizado pela economia de consumo,
trocas naturais, sociedade estática e poder político descentralizado. Os
fatores que explicam o surgimento desse sistema na Europa podem ser divididos
em estruturais e conjunturais.
Os fatores estruturais estão representados pelas instituições
econômicas, sociais, políticas e culturais dosromanos (Império Romano do Ocidente) e dos povos germânicos que
se fixaram dentro do Império a partir do século V.
Os principais elementos romanos que contribuíram para a formação do feudalismo
foram: a economia agrária e auto-suficiente das vilas romanas; as relações de
meação (sendo o colonato a mais importante) existentes no campo durante o Baixo
Império; o distanciamento social entre os proprietários e os trabalhadores
(clientes, colonos e precários); e o poder político-militar localizado. Todos
estes aspectos eram resultado da crise econômica e política do Império Romano.
Os elementos germânicos que entraram na formação do feudalismo foram: a
economia agropastoril; o regime de trocas naturais; a sociedade, em que os
guerreiros se submetiam à autoridade de um chefe militar; e o individualismo
político. Entre os germanos não existia a noção de Estado. Cada chefe possuía
autonomia, de tal forma que só em época de guerra ou perigo os chefes se
submetiam à autoridade suprema de um “rei”.
Assim sendo, surgiu entre os germanos uma instituição chamada Comitatus.
Nessa organização (na verdade um bando armado), as relações entre comandante e
comandados eram diretas e recíprocas, baseadas em juramentos de lealdade e
fidelidade. Tais características iriam ser mantidas nas relações políticas do
feudalismo.
O processo de integração das estruturas românicas e germânicas foi
lento, cobrindo todo o período que vai do século V ao IX. Isto porque a forma de
integração dependia dos fatores conjunturais, relacionados com as invasões que
assolaram a Europa do século V ao IX, semeando a insegurança, dificultando as
comunicações, enfraquecendo o poder político e atomizando a sociedade, de forma
a ter no feudo sua unidade fundamental.
As invasões germânicas (séculos V e VI) visaram inicialmente aos
centros urbanos do Império, a fim de saqueá-los; mas depois tenderam a se fixar
nas regiões favoráveis às atividades agrárias. Com isso, completaram o êxodo
urbano já iniciado no Baixo Império Romano e cortaram as comunicações entre as
unidades rurais e urbanas, enfraquecendo as segundas e forçando as primeiras à
auto-suficiência. O poder político, incapaz de conter as invasões, viu-se na
contingência de transferir as funções de defesa para os proprietários rurais.
Dessa forma, completava-se a descentralização do poder, o qual iria se tornar
localizado.
Em seguida às invasões germânicas, vieram os muçulmanos (século
VIII). Os árabes tinham se unificado politicamente depois da união religiosa
conseguida por Maomé, organizador do islamismo. A religião islâmica,
sintetizada no Corão e na Suna, pregava a guerra santa aos infiéis, justificava
o direito de saquear os infiéis (botim) porque não aceitavam o Deus criador dos
bens materiais. A elevada pressão demográfica na Arábia (havia poligamia), mais
os fatores religiosos e econômicos, explicam a fulminante conquista empreendida
pelos muçulmanos. Conquistaram o Oriente Médio, o Norte da África, a Península
Ibérica, o Sul da França e as ilhas do Mar Tirreno (Córsega, Sardenha e
Sicília). Mas a pirataria muçulmana impedia a navegação de barcos cristãos pelo
Mediterrâneo. Dessa forma, a Europa ficou isolada do Oriente e quase
desapareceram o comércio, as cidades e a própria economia de mercado, com suas
trocas monetárias. Completa-se então, na Europa Meridional, o processo de
ruralização econômica.
Quando os muçulmanos completaram sua tomada de posição no sudoeste da
Europa, o Ocidente europeu começava a sofrer os ataques dos normandos
(vikings), procedentes da Noruega e da Dinamarca. Os normandos eram ligados às
atividades marítimas, pescadores e piratas que, por volta do século IX,
aterrorizaram as Ilhas Britânicas e a França com suas incursões. Não se
restringindo aos ataques no litoral, subiam o curso dos rios e saqueavam as
populações ribeirinhas, pilhando vilas, mosteiros e igrejas, roubando o gado e
escravizando os cristãos. Dado esse duplo caráter, marítimo e fluvial, de suas
operações, não havia na Europa força militar adequada para contê-los. As áreas
mais atingidas foram a Inglaterra e o noroeste da França, onde uma parte dos
normandos veio a se fixar, dando origem à Normandia.
O castelo medieval, representando o principal centro de decisões
políticas do feudalismo, caracteriza perfeitamente o localismo que
definia o sistema.
Na Europa Oriental, ou, mais precisamente, em terras da Rússia e
Ucrânia atuais, os normandos da Suécia (conhecidos como varegues) realizaram
uma penetração de caráter principalmente comercial, pois as populações locais
eram demasiado atrasadas para oferecer boas perspectivas de pilhagem. Seguindo
o curso dos rios que desembocam no Mar Negro, os varegues acabaram
estabelecendo contatos mercantis com Constantinopla, onde trocavam trigo e
produtos da Europa Setentrional por artigos manufaturados.
Ainda no século IX, os magiares (húngaros), procedentes da
Ásia Central, invadiram a Europa, aumentando a insegurança geral. A situação
agravou-se com a chegada dos eslavos, vindos das estepes russas.
No século IX, portanto, definiu-se na Europa um quadro de instabilidade
generalizada, o qual criaria as condições necessárias para a consolidação das
estruturas feudais.
3. O modo de produção do sistema feudal
A economia feudal
A economia feudal era fechada, sem mercados externos; era também
natural, pois as trocas comerciais se realizavam in natura. A produção do feudo
destinava-se ao consumo local, visando à auto-suficiência (economia de
subsistência).
O elemento essencial e definidor do feudalismo eram as obrigações
consuetudinárias (costumeiras) devidas pelos servos a seus senhores, tanto em
produtos como em serviços. Os bens eram possuídos privativamente, mas a terra —
um bem econômico fundamental — poderia ser usufruída por todos (posse
coletiva), quando se tratasse de pastagens.
O regime de trabalho era servil, pois os servos constituíam a
mão-de-obra típica do sistema. Eles estavam presos à terra que cultivavam,
sendo-lhes proibido abandoná-la. Mas, embora privados de liberdade, não
poderiam ser considerados escravos, pois tinham alguns direitos e recebiam
proteção de seus senhores. Em troca, deviam-lhes diversas obrigações, a saber:
A corvéia era o trabalho agrícola realizado pelo servo na
reserva do senhor (também denominada manso senhorial); mas podia igualmente
compreender serviços como a limpeza dos fossos e dos caminhos, a conservação
das instalações do castelo ou ainda atividades artesanais. A talha correspondia
à entrega da metade do que o servo produzia em sua gleba (também chamada de
manso servil), a qual era constituída de faixas cultivadas descontínuas, intercaladas
com as glebas de outros servos. As banalidades também eram obrigações
em produtos, pagas pelo uso de certas instalações pertencentes ao senhor
(lagar, forno e moinho). Havia ainda a mão-morta. paga pelo servo quando
herdava a gleba devido ao falecimento de seu pai. Finalmente, o vintém,
correspondente a um vigésimo da produção do manso servil, destinava-se à
manutenção da igreja paroquial. Deve-se notar que todas essas obrigações eram
fruto dos costumes locais (obrigações consuetudinárias), e por isso variavam de
uma região para outra.
A técnica adotada na agricultura era rudimentar. Somente as terras mais
férteis eram ocupadas. Adotava-se o sistema de três campos (divisão da gleba em
três partes, destinadas sucessivamente à forragem, ao plantio de cereais e ao
pousio), fazendo-se rotação trienal para evitar o esgotamento do solo.
A sociedade feudal
A sociedade feudal pode ser definida como estamental, devido a sua
imobilidade e ao fato de a posição do indivíduo ser determinada pelo
nascimento. Os estamentos básicos eram dois: senhores e servos.
O senhor se caracterizava pela posse legal da terra, pelo poder sobre os servos
e pela conseqüente autoridade política local; esta última incluía o poder
militar, jurídico e religioso (no caso dos senhores eclesiásticos). O servo
correspondia ao pólo social oposto. Era preso à terra e inteiramente
subordinado ao senhor (na medida em que lhe devia obrigações costumeiras); mas
tinha a posse útil da terra e o direito à proteção senhorial.
Afora essas situações sociais básicas, poder-se-iam mencionar algumas
outras. Os escravos eram em número reduzido e viriam a desaparecer,
fosse porque se destinavam aos afazeres domésticos (função pouco relevante em
uma população rarefeita), fosse por causa da proibição eclesiástica de se
escravizarem cristãos. Os vilões eram homens livres que trabalhavam
no feudo mediante arrendamento, mas conservavam o direito de ir embora, se o
desejassem descendiam de pequenos proprietários que haviam entregado sua terra
ao senhor, em troca de proteção. Devem ainda ser citados os ministeriais,
agentes do senhor feudal encangados de manter a ordem no feudo e de cobrar as
obrigações devidas pelos servos; em certas regiões, eles eram chamados de
bailios; em outras, de senescais.
Os ministeriais representavam uma situação de permeabilidade social
porque podiam ingressar na pequena nobreza, se o senhor lhes concedesse em
benefício uma determinada área, como reconhecimento pelos serviços prestados.
As instituições
políticas
Politicamente, o sistema feudal embasava-se nas relações de suserania e vassalagem.
Suserano era o rei ou nobre que, em troca de determinados compromissos,
concedia a outro nobre um benefício — geralmente um feudo, correspondente a uma
extensão de terra com tamanho variável.
Foi a insegurança do período que levou reis e nobres a estabelecer
relações diretas entre si, visando à proteção recíproca. Como os nobres
pertenciam a unia aristocracia guerreira de ascendência germânica, era
importante poder contar com seu apoio.
Os grandes senhores procuravam ligar-se a outros senhores menores, com
o objetivo de contar com o maior apoio militar possível. Para isso, existia
a subenfeudação, em que um senhor concedia parte de seu feudo em beneficio
a outro nobre. Isso fazia com que os senhores feudais pudessem ser,
simultaneamente, vassalos de um senhor e suseranos de outros.
Oficialmente, a autoridade política máxima era o rei, por ser o
suserano dos grandes senhores e não prestar vassalagem a ninguém. Na realidade,
porém, o poder se fragmentava entre os senhores feudais, caracterizando uma
estrutura política descentralizada ou, mais corretamente, localizada.
Os senhores feudais não constituíam um grupo social uniforme. Devido à
existência da subenfeudação, formavam ima hierarquia que começava no rei e se
ramificava até alcançar o mais modesto dos cavaleiros. É portanto possível
classificá-los em alta nobreza (aqueles que prestavam vassalagem
diretamente ao rei) e pequena nobreza (aqueles que eram vassalos de
outros senhores). Tais relações se estabeleciam pelacerimônia de investidura, a
qual compreendia três partes: a homenagem, em que o vassalo reconhecia a
superioridade do suserano; a investidura propriamente dita, quando o
suserano concedia ao vassalo a posse do feudo; e o juramento de fidelidade prestado
pelo vassalo, o qual recebia, em contrapartida, a promessa de proteção por
parte do suserano.
As relações diretas entre suseranos e vassalos refletem a influência
germânica no mundo medieval. Na imagem podemos observar a homenagem de um
vassalo a seu suserano.
Eram obrigações do vassalo para com seu suserano: prestar auxílio
militar, se convocado; hospedar o suserano e sua comitiva, quando de passagem
pelo feudo; participar do tribunal dos Iguais, presidido pelo suserano, para
julgar um senhor acusado de algum crime; e ainda contribuir para o dote das
filhas e para a cerimônia em que os filhos do suserano feriam armados
cavaleiros. Reciprocamente, o suserano tinha obrigações para com seu vassalo:
proporcionar-lhe proteção militar; garanti-lo na posse do feudo dado em
beneficio; se o vassalo fosse acusado de um crime, assegurar-lhe o direito de
ser julgado por um tribunal de senhores; exercer a tutoria dos herdeiros
menores e proteger a viúva do vassalo falecido.
4. As instituições religiosas do sistema feudal
Durante grande parte da Idade Média, a Igreja constituiu a única força
realmente organizada dentro da Europa. Tendo plena consciência de sua
importância, ela exerceu uma extraordinária influência ao longo do período. Era
a Igreja, por exemplo, que teorizava sobre as relações sociais do feudalismo,
calcadas em uma rígida hierarquia, atribuindo-as à determinação divina. Segundo
essa interpretação, Deus dividiu a sociedade feudal em três categorias: os que
lutam (a nobreza senhorial), o que rezam (o clero) e os que trabalham (servos e
vilões).
A partir do século IX, o clero foi expressamente proibido de praticar a
usura; para os leigos, a proibição veio no século XI. Usura, especificamente,
era o comércio do dinheiro, ou seja, a cobrança de juros. Mas a Igreja também
condenava o lucro como pecaminoso, defendendo a prática do justo preço (o
comerciante deveria cobrar por uma mercadoria apenas o custo da mesma,
acrescido do necessário para sua própria manutenção).
A posição da Igreja ia ao encontro das necessidades sociais do
feudalismo, posto que, numa economia de subsistência, com freqüentes problemas
de escassez, preços altos seriam considerados imorais. Além disso, a economia
feudal era quase desmonetizada. Assim, se alguém necessitasse urgentemente de
dinheiro, seria por um motivo multo grave; portanto, cometeria um grande pecado
quem quisesse aproveitar-se da aflição de alguém para cobrar juros.
Esses ideais foram acatados durante o período de cristalização do
feudalismo, entre os séculos IX e XI. Entretanto, tão logo começou o Renascimento Comercial e Urbano (séculos Xll-XIV), os lucros e a
cobrança de juros voltaram a ser praticados. Não obstante, a postura oficial da
Igreja continuou a ser a defesa do ‘justo preço” e a condenação da usura.
O clero monopolizava a cultura e o ensino do sistema feudal. Os nobres
recebiam quase sempre uma educação apenas elementar, ministrada nas escolas
paroquiais ou nos mosteiros. A base do conhecimento estava na Bíblia (principalmente
no Novo Testamento) e os livros pagãos eram proibidos. Depois do século XI, as
universidades começaram a organizar um currículo básico, denominado Escola de
Artes, que compreendia dois graus: o Trivium (Gramática, Dialética e Retórica)
e o Quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música). Vinham depois os
estudos superiores, na maioria das vezes dedicados à Teologia (baseada no
pensamento de Santo Agostinho). Mas houve universidades que implantaram também
cursos de Leis ou de Medicina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário